Como prometido, darei início a uma série de fios para analisar o que os dados abertos mostram sobre os desvios do INSS.
Começarei falando de um grupo esquecido: as entidades que não funcionam mais (em amarelo no gráfico) – obs.: sempre em valores atualizados pelo IPCA.
Notem que os valores deste grupo são concentrados em apenas 3 entidades: Centrape, Asbapi e Abpap. Em perspectiva, os valores de então parecem baixos, mas em 2018 cada uma delas recebeu repasses maiores que o Sindinapi da Força Sindical (que recebeu 28 milhões).
1. CENTRAPE (Central Nacional dos Aposentados e Pensionistas)
CNPJ 07.164.985/0001-30 (ativo desde 2014)
Sede: São Paulo – SP
Presidente: Francisco Canindé Pegado do Nascimento
Recebeu repasses simbólicos entre 2014 e 2015, mas em jan/16, os valores começaram a aumentar até chegar a mais de R$ 10 milhões/mês em set/18, que perduraram até mai/19 (num total de mais de R$ 226 milhões neste intervalo).
Há quase 1800 reclamações no ReclameAqui, mas apenas há acesso às 500 mais recentes. No início de 2019, ainda respondia individualmente aos aposentados sobre descontos indevidos, mas depois passou a informar que ela deixou de operar em jun/19 via resposta-padrão.
O presidente já foi suplente de Ministro Classista Temporário no TST entre 1995 e 1998. Hoje ocupa o cargo de Secretário-Geral da União Geral dos Trabalhadores.
2. ASBAPI (Associação Brasileira de Aposentados, Pensionistas e Idosos)
CNPJ 08.812.425/0001-07
Sede: Brasília – DF
Presidente: Gilberto Torres Laurindo (também ligado à UGT)
Arrecadava entre 100 e 200 mil reais mensais até meados de 2018, mas…
A partir de agosto/18, os descontos aumentaram muito – nos 10 meses entre até maio de 2019, foram mais de R$ 54 milhões.
No ReclameAqui, há 1811 reclamações. Em 2019, ainda respondia com resposta-padrão, mas em anos recentes nem responde mais.
3. ABPAP (Associação Brasileira de Pensionistas e Aposentados) – também conhecida como ABAMSP (Assoc. Beneficente de Auxílio Mútuo ao Servidor Público)
CNPJ 00.100.451/0001-09
Matriz: Belo Horizonte – MG (filial em Santo Ângelo, RS)
Presidente: Irineu de Paula Cruz
Uma entidade que, em poucos meses, arrecadou R$ 62 milhões. Há incríveis 2064 reclamações no ReclameAqui, mostrando um modus operandi idêntico ao de desvios recentes por outras entidades.
Foram alvo de vários leilões judiciais de ativos em anos recentes.
Um detalhe que me chama a atenção é que as transferências para as três entidades cessaram ao mesmo tempo, em maio/19. Seus acordos com o INSS foram revogados. Isto mostra que pontualmente já existiu algum rigor com este tipo de atividade.
Infelizmente, na mesma época outras associações (que, a rigor, não são sindicatos) iniciaram as atividades, tiveram crescimento explosivo e continuam funcionando, a despeito de uma massa enorme de reclamações por parte de aposentados, imprensa, políticos e do TCU ao longo dos anos.
Em suma: a forma de desvio que vimos no último triênio já acontecera no triênio 2017-2019. Naquele caso, não encontrei registro sobre reembolso total dos valores desviados e aparentemente não houve prisão dos dirigentes. É um alerta grave para o que pode acontecer agora.
Nos próximos dias, publicarei fios sobre:
– as entidades ativas que foram alvo da operacão Sem Desconto
– as entidades que não foram alvo da Sem Desconto (casos bem estranhos)
– os meios usados para turbinar as associações
– as falhas estruturais no processo
Tudo isto só foi possível graças aos dados contidos no Portal da Transparência do Governo Federal, que só foram disponibilizados após insistência do @metropoles e que eu só consegui baixar com a ajuda do @luiz_vassallo e do @rodriandreotti.
portaldatransparencia.gov.br/pessoa/visao-g…
Adendo: tanto estas 3 entidades quanto a maioria das outras com centenas de milhares de associados tem estrutura física mínima – em geral, uma modesta sala comercial.