Estimativa de público em ato de Bolsonaro

A manifestação de ontem em Copacabana foi um gatilho para mim – não pelo conteúdo político em si, mas pela contagem de público, um tema que me é MUITO caro.

Segue um fio colocando um contexto histórico no qual não pouparei ninguém: organizadores, PM, Monitor da USP e DataFolha.

1. Até 2011, era de praxe a imprensa simplesmente repetir as estimativas de público que a PM ou os organizadores forneciam. Isto mudou em 2012, quando o DataFolha desenvolveu e divulgou um método para contar multidões.

2. As primeiras vítimas foram a Marcha para Jesus e a então chamada Parada Gay de 2012.
Enquanto os organizadores falavam em 6 milhões e 4,5 milhões de participantes, respectivamente, o DataFolha estimava 335 mil e 270 mil. Foi um choque.

3. No ano seguinte, a mesma coisa: enquanto os organizadores participantes na casa de milhões*, o DataFolha contou 200 mil na Marcha para Jesus e 220 mil na Parada Gay.

*vale lembrar que é muito difícil achar estimativas consistentes dos organizadores, varia muito conforme a fonte.

4. Já em 2014, surpresa! O DataFolha não contou mais o público de um evento nem do outro. Como assim? Por que? Ao que sei, nunca foi explicado (mas eu não me assustaria que sucumbiram à pressão dos organizadores dos dois eventos).

5. Entre março de 2015 e março de 2016, o DataFolha estimou o público de 5 manifestações contrárias e um favorável à então presidente Dilma Rousseff. Depois disto, silêncio – até este último fim de semana, no qual estimaram o público na manifestação do Bolsonaro no Rio .

6. Para o DataFolha, tenho aplausos por fazer algo que ninguém fizera antes (colocar ciência nas contagens de público) – mas também desconcertado: por que ficaram 10 anos sem cobrir eventos de grande porte?

7. Falemos agora da PM, com um comparação: suas estimativas da Parada Gay de 2013 e 2014. Na primeira, a PM estimava 1,5 milhão de participantes – para, no ano seguinte, estimar 100 mil. WHAT?

Não faz sentido algum! É impossível.

8. Em 2015, a estimou que 12 mil pessoas participaram de um evento pro-Dilma em 13 de março. Digamos que OK até aqui. Dois dias depois, houve um ato contra Dilma – e a PM estimou o público em 1 milhão de pessoas.

E o que alegaram? Que a Paulista estava cheia de ponta a ponta com 5 pessoas por metro quadrado. É resposta que afronta a inteligência de qualquer um que conhece o local e as ordens de grandeza de aglomerações.

9. Em fevereiro/24, após um evento em apoio a Bolsonaro, o secretário de segurança pública de SP divulgou nas redes sociais que 750 mil pessoas participaram – que foi inicialmente desmentido pela PM, e depois fizeram um arremedo de cálculo que batia com os 750 mil do secretário. Instada sobre a metodologia, a PM disse que usou método científico, mas não há transparência.

10. E, claro, há a estimativa da PM do Rio de 400 mil em Copacabana ontem – um órgão que até então JAMAIS divulgara uma estimativa própria de público em eventos em rede social (há uma de 2013, mas é da UFRJ).
Como? Com qual método? Por que neste evento? Como em SP, acho que jamais saberemos ao certo.

11. Agora o Monitor Político do Meio Digital, conhecido como Monitor da USP. Eles começaram a medir multidões em agosto de 2022, com um diferencial na metodologia: o uso de imagens aéreas e software de contagem de pessoas.

12. Aqui vale um parênteses: diferente da metodologia do DataFolha, que considerava também o público móvel, no Monitor da USP o levantamento é estático (no pico). São consideradas as fotos do momento em que a aglomeração tem a maior extensão.

Nota: eu gostaria de entender melhor a linha do tempo aí – como se decide qual é o momento de pico. Há uma periodicidade de sobrevoo?

13. Para o Monitor da USP, há 3 eventos que eu gostaria de ressaltar: o primeiro, uma grande manifestação pró-Bolsonaro em 25/fev/24 – estimando 185 mil participantes (contra os inverossímeis 750 mil da PM que mencionei antes).
Sério, 185 mil na Paulista é MUITA gente. O pessoal não acredita porque ficou anestesiado pelas invenções anteriores de organizadores.

14. Outro evento-chave: a Parada LGBTQ de 2024. Pela primeira vez em 10 anos, alguém sério ousava medir este evento de novo. Enquanto o Monitor da USP estimou um público de 73.600 pessoas, os organizadores falavam novamente em 3 milhões.

15. O terceiro evento e o mais famoso/recente é o de ontem pró-Bolsonaro em Copacabana: o Monitor estimou em 18 mil pessoas contra 400 mil da PM. Sem me ater ao número exato, a ordem de grandeza do Monitor é verossímil para a área ocupada; a da PM não.

16. Tenho críticas ao Monitor também: por que a contagem no 1o. de maio de 2024 com Lula (estimados 1,6 mil participantes, contra 50 mil esperados pela organização) não consta no seu site? A omissão pode ser entendida como um viés, não é legal.

17. E por fim, falemos dos organizadores: como esperado, eles gostam de se gabar com números grandiosos, na casa de centenas de milhares ou até alguns milhões – sem ter equipe capacitada nem ponderada o suficiente para fazer a estimativa.

18. Os organizadores destes grandes eventos nadavam de braçada com uma imprensa conivente/pouco investigativa até 2011 – quando passaram a ser defrontados com os exageros absurdos por eles inventados. A mídia passou a incomodar, primeiro o DataFolha, agora o Monitor da USP. Mas tem um porém…

19. Não há consistência ao longo do tempo: o DataFolha existiu por uns 3 anos só e morreu. O Monitor foi lançado há 3 anos e continua ativo, mas tem apenas 14 contagens no histórico. Em ambos, falta um histórico mais amplo e comparável, principalmente nos eventos recorrentes como a Marcha para Jesus.

Lembrando algo fundamental: devido às diferenças de metodologia, faz mais sentido comparar diferentes eventos estimados pela mesma entidade que o mesmo evento por entidades diferentes.

20. Por último, mas não menos importante: a seleção dos eventos a serem estimados poderia eventualmente também indicar um viés – por isto é fundamental que exista uma diretriz (pública) que deixe claros os critérios para tal.

21. Simplificando: organizadores não são fontes fidedignas. A PM é suspeita.
Precisamos de contadores independentes com metodologias transparentes. Que surjam outras iniciativas como o Monitor, até mesmo para defrontar estimativas. E não é tão difícil: só drone + software + geek.

22. E, sabendo como é o Twitter, sei que preciso avisar: isto aqui não tem relação com minhas preferências políticas, mas sim com meu desejo que os acontecimentos importantes sejam tratados de forma mais objetiva e confiável.
FIM


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