Close-up of a person with colorful rainbow face paint, symbolizing LGBT pride and expression.

Expectativa de vida de transexuais

Ao pesquisar qual a expectativa de vida de transexuais no Brasil, a resposta é unânime: 35 anos.

Só que não é bem assim. Vem comigo que explico a linha do tempo de um caso notório de desinformação:
🧵

1. Desde 2017, a Associação Nacional de Travestis e Transexuais (ANTRA) publica uma pesquisa anual para denunciar os casos de violência contra a população de travestis, mulheres pessoas trans.
⬇️

2. Neste relatório, consta não apenas uma compilação dos homicídios cometidos contra pessoas trans, mas também a expectativa de vida, citando Pedro Antunes como fonte: ele teria afirmado que a expectativa de vida é de apenas 35 anos, metade daquela da população geral.
⬇️

3. A fonte citada é o livro “Travestis Envelhecem?”, do psicólogo Pedro Antunes, baseado na sua tese de mestrado na PUC-SP.

Retornaremos a ele mais adiante.
⬇️

4. Esta afirmação gerou enorme repercussão em diversos veículos de mídia, como mostrei incialmente, e seria repetida nos relatórios da Antra de 2018, 2019 e 2020.
Mas aconteceu algo em 2021…
⬇️

5. Em 2021, o Guia Gay de São Paulo perguntou ao autor do livro se ele fizera aquela afirmação. Sua resposta: “O correto seria não me citar como fonte direta ou dizer que eu afirmo, mas sim falar que o dado é fornecido por ela (Keila Simpson) por ela em entrevista.
⬇️

6. Ou seja, a suposta expectativa de vida teria vindo de uma das 3 pessoas trans entrevistadas para o estudo e posterior livro do Pedro. E quem é esta entrevistada, a Keila Simpson?

Simplesmente é a presidente da própria ANTRA.
⬇️

7. E o que ela afirmou, afinal? O mais próximo que encontrei na tese de mestrado foi este trecho:

“Não há travestis com 60 anos! Com 50, você encontra uma outra. Uma travesti na ativa com 38 ou 40 anos você não encontra mais.”
⬇️

8. No relatório da ANTRA de 2021 há duas mudanças:

– acusa que a suposta farsa da expectativa de vida seria seria um ataque à causa (já que ela seria validado por estudiosos)
– a citação a Pedro Antunes desaparece
– mas deixam de falar na expectativa de vida

COMO ASSIM?
⬇️

9. Sim, é isto: ao mesmo tempo em que diz que a expectativa de vida tem validação de estudiosos no assunto, não há mais a citação ao estudioso que supostamente teria publicado isto lá atrás, em 2013 – nem a nenhum outro.

Mas a edição de 2022 guardaria uma surpesa…
⬇️

10. Em 2022, a expectativa de vida de 35 anos reaparece, mas com dois detalhes sutis:

– agora é “EM TORNO dos 35 anos”, o que demonstra que não há um número exato (que teria uma casa decimal, se conhecido)

– e, pela primeira vez, fala-se que esta expectativa é a menor do mundo – sem comparar a nossa com nenhum país no relatório inteiro!
⬇️

11. Já em 2023, um tom que aparentemente é defensivo, falando inclusive que estariam repensando estes dados. Seria um sinal que deixariam de mencionar a estimativa no futuro?
⬇️

12. Não foi bem assim. No último relatório, cita-se um artigo que a ANTRA entendeu como um ataque por chamar a alegada expectativa de vida de invenção.

(a melhor réplica não seria mostrar que não foi invenção?)
⬇️

13. É plausível imaginar que a expectativa de vida desta população seja, sim, mais baixa pela exposição à pobreza e à violência. Mas escapa à ANTRA é que, ao publicar dados num relatório que se pretende científico, é indispensável fundamentá-los – o que não é o caso da expectativa de vida.
⬇️

14. Por último, mas não menos importante: ao buscar pela expectativa de vida em mecanismos de busca e IAs, a primeira ocorrência sempre será 35 anos.

Mas, acreditem, não é uma boa confiar cegamente nisto…
⬇️

15. Nos resultados, clique sempre nos links referenciados e, dentro deles, das fontes que eles usaram, até chegar à fonte primária. Leva tempo, dá trabalho, mas é o melhor a fazer para se proteger da desinformação.

Agradeço ao @bmacabeus pela ajuda na linha do tempo.

FIM


RECEBA NOSSAS

MATÉRIAS POR EMAIL

Deixe um comentário

Your email address will not be published.

NÃO DEIXE DE LER