O custo invisível do medo de discriminação: consumidores de menor renda e sensibilidade a preço

Será que consumidores de baixa renda sempre escolhem pagar mais barato por produtos iguais?

Intuitivamente, seria de esperar que sim, mas um estudo experimental de 2022 testou se isso sempre acontece.

Spoiler: NÃO.

O estudo, intitulado “Discriminação Esperada com Base no Status Socioeconômico Reduz a Sensibilidade a Preços entre os Pobres” (em tradução livre) buscou explicar em quais contextos os consumidores mais pobres escolhem pagar mais caro.

Ou seja: é um “custo extra” que o consumidor de baixa renda enfrenta.

O estudo revela que os consumidores podem escolher pagar mais caro para evitar ambientes que os façam sentir desconfortáveis ou discriminados devido à sua condição socioeconômica.

E mais: não é só a discriminação em si, é a EXPECTATIVA de discriminação.

Este fenômeno é chamado pela literatura de “psychological ghetto tax”, e mostra como consumidores de baixo SES tendem a evitar ambientes comerciais de alta renda, mesmo que tenham opções financeiramente melhores.

“QUÊ?”

Sim.

Significa que estes consumidores escolhem pagar mais para evitar ambientes de baixa renda, por preocupação com uma possível discriminação.

É um “custo extra” encarado por consumidores de renda mais baixa para evitar uma possível discriminação nas interações.

Aqui vai um resumo dos resultados em 4 pontos principais, depois detalho um pouco os estudos:

Resultado 1: Consumidores de baixa renda são menos sensíveis ao preço em contextos onde há risco de discriminação.

Ou seja: aceitam pagar mais caro para evitar o risco.

Resultado 2: A sensibilidade a preço caiu quando participantes tiveram que interagir entre grupos de diferentes SES (Socioeconomic Status).

Ou seja: os consumidores de baixa renda aceitaram pagar mais caro ou incorrer em mais custo (ex. transporte) para evitar interagir com consumidores de outro status socioeconômico.

Resultado 3: A expectativa de discriminação é o principal fator que reduz essa sensibilidade, mesmo controlando por fatores como etnia.

Devido à realidade demográfica do Brasil, uma preocupação é isolar as variáveis – o objetivo do estudo era testar a discriminação por diferentes status socioeconômicos, não por diferenças étnicas.

Mesmo controlando por essa variável, a expectativa de discriminação socioeconômica seguiu sendo a variável mais relevante.

Resultado 4: Declarações de inclusão social pelas empresas, especificamente focando em igualdade, podem reverter o efeito, restaurando a sensibilidade ao preço.

Os autores buscaram ver formas que essa expectativa fosse reduzida, ou seja, como fazer os consumidores de renda mais baixa se sentirem seguros para frequentar ambientes onde teriam preocupação com a discriminação.

Os 5 estudos reportados no artigo foram conduzidos no Rio de Janeiro. Como o objetivo do estudo era inferir causalidade, foram feitos diversos estudos experimentais para abordar o fenômeno.

O modelo conceitual está na figura abaixo, retirada do paper:

Estudo 1: Design quasi-experimental separando os consumidores de diferentes SES.

Consumidores de baixo SES pensam mais em discriminação e desconforto ao considerar compras em ambientes de alta renda, enquanto consumidores ricos não levam esses fatores em consideração.

Estudo 2: design experimental manipulando a variável de percepção de status socioeconômico, com escolha hipotética.

Os participantes do grupo tratamento foram menos sensíveis a preço quando a compra era num contexto entre grupos de diferentes status socioeconômicos.

Os Estudos 3 e 4 seguem na mesma linha:

Buscaram estudar a influência do tipo de contato (intra ou intergrupo) manipulando tipo de contato e interação que os participantes teriam.

Participantes de baixo SES escolheram pagar mais caro para evitar contato intergrupo.

Intragrupo é com pessoas do mesmo status socioeconômico, enquanto intergrupo é de diferentes status socioeconômicos.

Estudo 5: este estudo é particularmente interessante porque dá uma aplicação prática.

Os autores argumentam que o uso de declarações de inclusão social nas empresas pode fazer com que pessoas de baixo SES tenham menor receio da discriminação.

Diversos tipos de declarações foram testadas, sendo esta a mais eficaz.

Um ponto crítico do estudo é isolar variáveis confundidoras, em especial discriminação por etnia.

Os autores rodaram modelos controlando por essa variável, e ainda assim a significância estatística do Status Socioeconômico é relevante.

O estudo é muito interessante ao mostrar o custo que a discriminação tem para a população de baixo status socioeconômico – além de todos os custos diretos associados, ainda existe a propensão a pagar mais caro em casos onde há risco de discriminação.

É incrível (e triste) que mesmo em situações de alta restrição financeira, consumidores de baixa renda escolheram pagar mais caro para evitar comprar em um shopping de alto padrão.

Isso reforça que o impacto psicológico pesa ainda mais que o custo financeiro.

Os custos diretos associados ao consumo na periferia ou em favelas são tema de outro artigo que vou trazer num proximo fio – também escrito por um brasileiro.

Referência do estudo:

Jacob, J., Vieites, Y., Goldszmidt, R., & Andrade, E. B. (2022). Expected Socioeconomic-Status-Based Discrimination Reduces Price Sensitivity Among the Poor. Journal of Marketing Research, 59(6), 1083–1100.

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