O @jean_marc_nit me apresentou este artigo da Pfizer sobre aumento de AVC em jovens, que decidi analisar minuciosamente.

O que eu descobri é aterrador! Vem comigo:

Ele menciona que ¼ dos AVCs ocorrem em pessoas abaixo dos 65 anos. Cita a incidência em pacientes abaixo de 55 anos e abaixo de 45 anos – a fonte é um estudo de 2001 que analisou 164 pacientes retrospectivamente. Até aqui, não se falou de aumento.

No próximo parágrafo, é mencionado crescimento desde a década de 80, mencionando o o crescimento entre 98 e 2007. Onde é que entra a década de 80? Por que não dizer “desde 98”?

Pelas fontes, vi que este trecho veio de um artigo da Secretaria de Saúde do Espírito Santo.

Consultando o DataSUS, não se encontram os alegados aumentos de 64% em homens e 41% em mulheres. No período citado, houve um aumento de 37% para homens e 21% para mulheres. Estranho.

A próxima informação (4 mil pessoas entre 15 e 34 anos internadas por AVC em 2012) foi retirada de um artigo do HCor – que alerta para o problema do crescimento, mas sem citar dados que corroborem o crescimento.

Na sequência, é citado o número de mortes acumuladas por AVC de pessoas abaixo de 45 anos entre 2000 e 2010. É um número vazio de significado para a manchete (que falava de crescimento).
E aqui algo intrigante: a menção a um estudo que encontrou estabilidade de casos e redução de óbitos entre 2008 e 2012. Ou seja: vai contra o título da matéria!

Bizarramente, o artigo continua como se esta informação fundamental não existisse – e pergunta por que houve aumento de AVCs em jovens nas últimas décadas*
*atenção ao “últimas décadas” – já explico…

O artigo foi escrito em junho de 2022 (ou talvez junho de 2021 – há conflito de datas entre a bibliografia e a data do post), o que significa que os dados considerados já eram bem antigos naquela data.

Considerando que os dados do Sistema de Informações Hospitalares do SUS é atualizado constantemente e que a matéria fala “nas últimas décadas”, por que não usaram dados atualizados?
Se o próprio autor do artigo fosse atrás da fonte primária, veria estes dados aqui (já disponíveis naquela data): índice de internação estava subindo em anos recentes, sim (algo que as referências do artigo não corroboravam).

E aqui um detalhe fundamental: o artigo foi escrito no meio da pandemia, num momento cheio de acusações de vacinas causando AVCs – dando margem para os antivaxxers se valerem da manchete.
Ocorreu o que se esperava: um dos mais notórios ativistas antivacina usou esta postagem para jogar dúvida sobre a vacina (de maneira velada, como de praxe).

Da parte da Pfizer, um laboratório com recursos gigantes, espera-se um mínimo de cuidado e rigor científico para redigir seus textos – e um tequinho de simancol que a manchete daquele jeito daria munição para seus inimigos.
MAIS RIGOR, POR FAVOR!
Já da parte dos ativistas, não há muito o que cobrar, pois não é integridade intelectual pelo que seus líderes lutam. E sabem que seus seguidores não checarão nem mesmo as datas contidas no artigo.
Adendo 1:
“Frankito, você pegou no pé deste artigo só porque os dados incluídos no texto não corroboram o título, apesar de efetivamente ter ocorrido aumento?”
SIM
Adendo 2:
Alguns hão de observar que o gráfico da incidência de internações crescentes não bate com a tabela abaixo, que publiquei há uns dias, que indicava estabilidade.
A diferença é que aquela lá usava uma lista maior de morbidades cerebrovasculares (as usadas na matéria da G1 Campinas).
