Nos últimos dias circulou um gráfico (de pizza, @WeiseFranklin) sobre o Orçamento Federal de 2024.
Este gráfico, que vira e mexe ressurge das cinzas, coloca “Juros e Amortizações da Dívida” em uma única rubrica, representando 42,96% do orçamento – cerca de R$ 1,997 trilhões.

A partir daí surgiram comentários como “ricos ficam com os juros”, “pobres com o Bolsa Família” e assim por diante. Em resumo, as postagens davam a entender que R$ 1,997 trilhões iam direto para remunerar rentistas.
O problema é que o gráfico mistura alhos com bugalhos e distorce a análise.
Vou falar dos conceitos por partes.
1) O que são juros?
Juros são a remuneração do credor. É o custo financeiro que o governo paga por tomar emprestado. Ou seja: é a despesa propriamente dita.
Segundo dados do SIOP, essa conta somou R$ 352 bilhões em 2024.
2) O que é amortização?
Amortização é apenas a devolução do principal que foi captado.
Não é uma despesa, e sim a liquidação de um passivo.
“MAS NÃO SAI DO CAIXA???”
Sai, mas a natureza da conta não é de resultado. Pagar uma dívida afeta os saldos de passivo, mas não o resultado – assim como sua captação não é uma receita corrente, apesar de ser uma entrada de caixa.
Para pagar a dívida, o governo pode:
– Usar usar geração de caixa (resultado primário);
– Rolar dívida – emitir nova dívida para pagar a antiga.
Ou seja: não faz sentido tratar amortização como gasto comparável a políticas públicas.
É como confundir o pagamento de juros do seu financiamento com a devolução do valor que você pegou emprestado do banco.
A remuneração do credor vem dos juros, não do principal.
3) A conta real
Quando falei sobre o gráfico, me falaram para abrir a conta. Então vamos lá:
– Juros e Encargos da Dívida: R$ 352 bi
– Amortização da Dívida: R$ 1,64 tri

O valor trilionário não é gasto em juros, mas inclui a devolução do principal – que vem da rolagem de dívida.
“AH ENTÃO VOCÊ ESTÁ DIZENDO QUE NÃO TEM PROBLEMA?”
Claro que não.
Existe um problema fiscal – o Brasil não gera caixa para pagar a amortização da dívida, e muitas vezes nem para pagar os juros.
E aí contrai novas dívidas, o que aumenta o problema fiscal e o risco. E mais risco significa juros mais altos. E aí é um ciclo.
4) “Ignoram o fato do Brasil pagar R$ 1 trilhão ao ano em juros”
Não sei de onde vem o tal fato. O gráfico não diz isso.
O pagamento de juros em 2014 foi de centenas de bilhões, não de R$ 1 trilhão.
É alto? Sim. O Brasil tem uma das maiores taxas de juro real do mundo.
Mas não é verdade que “pagamos R$ 1 trilhão em juros ao ano”.
5) Por que isso importa?
Primeiro, porque não se deve usar dados errados ou distorcidos para embasar argumentos. Não importa se é ignorância ou viés – os dados precisam ser corretos.
“MAS TODO MUNDO PODE ERRAR!”
Sim, pode errar. Aí o certo é corrigir, não insistir no erro.
Segundo: confundir juros com amortização leva a diagnósticos errados, críticas mal fundamentadas descredibiliza o debate. Além disso, para quem formula políticas públicas, leva a propostas de políticas públicas malfeitas.
Em resumo:
Juros são custo do endividamento e refletem taxa de juros, inflação e risco.
Amortização é gestão de passivo, não despesa corrente.