Depois de um tempo sem postar análises financeiras e falando sobre o Banco Master, resolvi juntar uma coisa na outra e olhar as investidas do banco.
Comecei com a Oncoclínicas, um grupo de de oncologia, hematologia e radioterapia fundado em 2010 e que fez IPO em 2021.

Em 2024, o Master comprou parte da empresa e hoje tem cerca de 20% das ações.

De cara, alguns pontos chamam a atenção na Oncoclínicas.
1) Ela teve prejuízo líquido pré-IPO, deu lucro por dois anos e depois voltou a apresentar prejuízo. Dos 5 anos de análise, ela deu prejuízo líquido em 3.

2) Olhando para o resultado operacional (EBIT), vemos até uma certa melhora até 2023, apesar das margens serem baixas.
Mesmo assim, em 2024 a coisa piorou.
A situação não muda muito quando ajustamos pela depreciação e calculamos o EBITDA – obviamente a margem melhora, mas ainda assim não é nenhuma maravilha, e despenca em 2024.

A margem bruta da Oncoclínicas é estável desde 2020, sendo em média ~33%.
Ou seja: a queda do resultado não vem de perda de eficiência no controle de custos.
O que chama a atenção é outra coisa: Despesas Operacionais.

Nos Custos e Despesas por Natureza da Oncoclínicas, diversas contas tiveram crescimento alto.
Destaques de 2024:
Ajuste a Valor Recuperável de Ativos (Impairment): não teve em 2023, foi irrisório nos anos anteriores e saltou para incríveis R$ 796 milhões em 2024.
Serviços de Terceiros: + 70,3% de 2023 para 2024 (+R$ 178 milhões)

“IMPAIRMENT? O QUE É ISSO?”
Em termos gerais, impairment é quando a empresa admite que um ativo perdeu valor (ou foi superestimado) e reconhece isso na contabilidade.
Pode ser um prédio, uma marca, uma aquisição… Ou seja, são investimentos.
Se não vale mais o que dizia valer, a empresa baixa o valor e isso afeta diretamente o lucro.
No caso da Oncoclínicas, 90% do impairment está concentrado em duas contas:
Acordo de Parcerias (55,8% do total) e Ágio (34,3% do total).
Abaixo a Nota Explicativa.

Primeiro, vamos definir cada uma das contas.
Acordo de Parcerias: são contratos com instituições médicas, em que a Oncoclínicas investe para garantir um fluxo de pacientes. Esse valor vai sendo amortizado ao longo da parceria.
O Ágio (ou Goodwill), por sua vez, é um “prêmio” pago em aquisições (compra de outras empresas) pela expectativa de rentabilidade futura.
“TÁ, ENTÃO O QUE ACONTECEU?”
Respira aí e pega um café, que essa parte é mais técnica, mas vamos em frente que vou deixar o mais didático possível.
Na Nota 13.1, a empresa explica a metodologia utilizada para o impairment.
Deixo abaixo para quem quiser ler tudo (e eu não julgo quem não quer).


A Oncoclínicas usou o método do valor em uso para avaliar se seus ativos (incluindo o ágio das aquisições) ainda tinham valor contábil justificável.
Traduzindo: projetaram o futuro das operações e viram quanto essa expectativa vale hoje. Aí compararam se é o mesmo valor que o do balanço.
Para quem é de Finanças: é um fluxo de caixa descontado.
Aí tem alguns pontos para avaliar.
1) A empresa projetou 10% de crescimento nominal de receita (ou seja, já incluindo a inflação) por 5 anos, e depois um crescimento nominal na perpetuidade de 5% ao ano (basicamente a inflação).
Mesmo se for um setor resiliente, isso soa otimista.
Estão falando em crescer o dobro da inflação por 5 anos nestes projetos.
2) Segundo a Nota, a empresa usou diferentes abordagens para alguns casos – para algumas unidades geradoras de caixa, usou valor justo menos custo de venda.
Isso não é proibido, mas abre espaço para um possível viés de seleção de método para escolher o menor impairment possível dentre os calculados.

Algo que me chamou MUITO a atenção é o WACC (o Custo de Capital) usado para descontar os fluxos de caixa.
“WAQUEM?”
Uma explicação simplificada: WACC é a taxa que a empresa usa pra saber se um investimento “se paga”, usando a média ponderada do capital de terceiros (dívida) e do capital próprio (patrimônio líquido).
É o custo médio de se financiar, juntando dívida e capital próprio.
Se o retorno for menor que o WACC, o investimento destrói valor.
A Oncoclínicas usou um WACC de 11,95% ao ano para descontar as projeções.
A empresa não detalhou o cálculo, mas isso me parece muito baixo.
Os fatores levados em conta para calcular o WACC são:
Taxa livre de risco (SELIC ou T-Bond + Risco País)
Risco do setor
Prêmio de risco de mercado
Custo de captação
Estrutura de capital da empresa

Quanto menor o WACC, maior o valor presente dos ativos (e no caso, menor o impairment e impacto nos lucros).
Eu fiz uma conta simples de WACC aqui usando alguns dados e cheguei bem longe disso, mesmo usando o valor contábil da dívida e despesa financeira.
SEGUIMOS!
Vou começar pelo Custo da Dívida.
O que usei: despesas com juros de empréstimos e debêntures sobre valor contábil de empréstimos e financiamentos e debêntures.
Eu normalmente uso Arrendamentos (leasing) nos cálculos de dívida, mas usei só o que é estritamente financeiro.
Vejam que pelo meu cálculo, o custo da dívida da Oncoclínicas (em valor contábil) deu 10,77% ao ano.
Para os financeiros: não há Tax Shield porque a empresa está no prejuízo.
Se fosse calcular a valor de mercado, possivelmente (muito provavelmente) o custo seria mais alto – são várias dívidas indexadas ao CDI.

“ENTÃO COMÉ QUE TÁ BAIXO O WACC DELES?”
Então, calma que ainda falta o custo do capital próprio.
É o custo de oportunidade dos sócios por manterem o patrimônio investido na empresa. Esse custo deu 21,08% ao ano.
Para os de Finanças:
Eu calculei usando a fórmula do CAPM e usei:
SELIC para taxa livre de risco em 31/12/2024
Beta da empresa (BR Investing)
MRP da FGV em 31/12/2024
Eu sei que tem outras formas e que poderia calcular o beta na mão.
Na prática, a variação é pequena e, nesse caso, irrelevante.
Vocês vão ver por quê.

TÁ ACABANDO!!
(Pelo menos essa parte.)
Abaixo o custo ponderado de capital (WACC) completo.
Vejam que deu 14,97% ao ano, portanto 3 pontos percentuais a mais que a estimativa da Oncoclínicas.
Eu não tenho aqui as projeções de fluxo de caixa para descontar, mas o valor presente teria uma boa diferença.

É O ÚLTIMO DO WACC.
Para se ter uma ideia, eu fiz a conta inversa para chegar em quanto teria que ser o custo da dívida para o WACC de 11,95% ao ano.
Para isso:
Subtrai a Contribuição do Equity de 11,95%, sobrando a ponderação da dívida: 3,36%
O Custo da Dívida seria a sua contribuição dividida pela proporção da dívida: 5,67% ao ano.
Ou seja: para esse WACC fechar, a empresa teria que captar dívida a um custo que parece muito otimista.

“OK. ENTENDI QUE VOCÊ ACHA QUE O CUSTO DE CAPITAL DELES ESTÁ BAIXO.
AGORA ME EXPLICA, O QUE ISSO TUDO QUER DIZER?“
Beleza, bora.
O ponto central é o seguinte:
Quanto menor o WACC, menor o impairment.
Quanto menor o impairment, menor o impacto negativo nos resultados.
Isso significa que a empresa tem incentivo a usar uma taxa mais baixa para “aliviar” o teste.
Um WACC conservador faria o valor presente cair e o prejuízo ser ainda maior. Mesmo com um WACC baixo, o impairment foi gigante.
“AH MAS É NÃO RECORRENTE E NEM TEM EFEITO CAIXA.”
Sim, mas isso não quer dizer que é só uma questão contábil.
Ele é um reflexo de que as aquisições ou os contratos feitos no passado não geraram o retorno esperado.
A empresa pagou caro por ativos que não entregaram.
No caso específico da Oncoclínicas, isso importa por dois motivos:
1) É um grupo que cresceu muito via aquisição.
2) É uma das principais investidas do Banco Master.
Isso mostra que parte do portfólio do banco pode ter problemas de geração de valor.
Aliás, o aporte do Master está no DFC de 2024, no Fluxo de Financiamentos.

Ainda assim, eu fiz uma reformulação no DRE da Oncoclínicas para ver como ficaria sem o impacto do impairment, colocando depois do Resultado Financeiro.
Vejam que o Lucro Operacional melhora, passando para ~11%.
O EBITDA vai para 16%.
Ainda assim, uma queda de 11% em relação a 2023, apesar do crescimento de 13,5% na Receita Líquida.
Isso é efeito de queda na Margem Bruta e do avanço das despesas operacionais.
A empresa ficaria perto do Break Even antes dos impostos

“ISSO SIGNIFICA QUE A EMPRESA ESTÁ EM RISCO?”
Pelo que podemos ver no balanço, não parece ter risco relevante de liquidez ou solvência no curto prazo.
Os índices de liquidez estão saudáveis e a composição da dívida está sob controle, com uma concentração maior em longo prazo.

RESUMO DA ÓPERA
As margens caíram em 2024, sendo que o principal ponto foi um impairment de R$ 796 milhões impactando o resultado.
A Oncoclínicas tem crescido via aquisições e parcerias, mas parte desses investimentos não entregou retorno.
A Oncoclínicas usou premissas otimistas de crescimento e um WACC que parece subestimado (11,95% ao ano).
Ainda assim, o impairment foi bem relevante.
A empresa não parece estar “quebrando”, mas precisa rever o modelo de gestão, especialmente nas despesas e na análise de investimentos.
PS:
A auditoria da Oncoclínicas registrou a questão do impairment e das premissas utilizadas como um PAA (Principal Assunto de Auditoria).
Ou seja, foi um tema significativo.
Eles destacam:
A representatividade dos ativos e o fato dos modelos envolverem grau de julgamento pela Diretoria.
Deficiência de controles internos.
Ainda assim, consideram que, nos aspectos relevantes, os cálculos “são adequados”.
Abaixo a Nota Explicativa.


Que texto maravilhoso! Gostei muito da forma como você leu e explicou as informações e, principalmente, como conectou sua proposição sobre WACC e impairment com a questão da aquisição do Banco Master. Muito obrigada por esse texto!
Oi, Lara!
Eu que agradeço o comentário, fico feliz que gostou!
Vim pela indicação da Lara Máximo no Linkedin. Realmente texto muito bom. Obrigado!
Obrigado, Guilherme!
Tem várias análises na categoria “Finanças”, se tiver interesse.
Parabéns, Daniel, excelente. Se me permite, duas colocações: 1- seria possível disponibilizar as demonstrações em excel, para o estudo dos cálculos ?; 2- posso colocar algumas dúvidas e considerações por aqui ? Obrigado !
Boa tarde, André!
Obrigado pelo comentário.
Sobre as demonstrações em Excel, vou pensar em alguma solução para isso, mas a maioria é conta de análise vertical e horizontal.
Eu pego as informações das DFPs auditadas e completo a planilha.
Sobre dúvidas: claro, fique à vontade.
Abs